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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Elis Regina: Retrato do Desconhecido




E a sua voz era tímida, 
Voz de um homem perdido no mundo, 
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças, 
Voz que não manda nunca, 
Voz que não pergunta, 
Voz que não chama, 
Voz de obediência e de resposta, 
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas, 
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas. 

Os ombros eram estreitos, 
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do amor inconfundível, 
Ombros de quem não sabe caminhar, 
Ombros de quem não desdenha nem luta, 
Ombros de pobre, de quem se esconde, 
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta.
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos, 
De quem teme a estrada e o destino 
De quem não triunfará na luta inútil do mundo: 
Ombros de reza de condenado,
Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros 
num mesmo ritmo. 

No entanto os olhos eram olhos diferentes. 
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão 
para traduzir o seu olhar. 
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,
que se abriram diante de mim, como um abrigo, 
e que me trouxeram de repente, 
os dias mortos em que me descobri como outrora,
livre como no princípio do mundo.

Não direi de seu olhar, não direi da sua expressão de repouso, ainda não sei se era dele o seu olhar, 
ou se nascia de mim mesmo, 
num rápido instante de paz e de libertação!



Retrato do desconhecido - Augusto F. Schimdt

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