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sábado, 29 de outubro de 2011

A nossa Carmen Miranda

Por Wipsley Mesquita



De grandes artistas, felizmente, o Brasil tem sua história cheia, ainda que nem sempre se faça justiça a essa memória. Mas somente Carmen Miranda é a personalidade artística que o país produziu que faz parte de uma mitologia internacional realmente icônica. Para o bem e para o mal, ela ainda faz parte de um imaginário sobre o nosso país em todo o mundo. Contudo, a imagem consagrada por Hollywood é tão forte, que ofuscou a outra Carmen, a nossa Carmen. De modo que, sempre que se fala dela, a impressão é que ou se sente vergonha da cidadã ou se declara admiração total.
Digo para o bem e para o mal, porque sabemos do inabalável talento de Carmen, mas também entendemos o quanto se perde através de estereótipos. Mas a intenção aqui é lembrar a Carmen dos anos 1930, pré-EUA. Aquela que pouca gente lá fora conhece e... Ah, aqui também, vai!
Antes de sua brilhante carreira no hemisfério Norte, Carmen Miranda já era, no Brasil, o maior nome do rádio, do disco e do cinema. Aliás, em meados da década excursionou mais de uma vez para apresentações na Argentina. Os anos 1930 consolidaram o rádio como veículo de comunicação de massa e, através dele, se consolidou a música e a cultura que reinariam absolutas na vida brasileira nas duas décadas seguintes. Carmen é a figura máxima deste período. O repertório que lançou, especialmente os sambas e marchas, é de tamanha significação que foi regravado diversas vezes por vários intérpretes e mesmo hoje, é elemento do nosso imaginário coletivo, basta falar em carnaval ou o que era o carnaval do “tempo dos cantores do rádio”.
A trajetória artística de Carmen no Brasil é de certa forma, de qualidade superior àquela que realizou nos Estados Unidos, que também possui seus méritos. Mas lá, pelas necessidades de outro público, seu repertório foi limitado e não gravou um terço do que gravou no Brasil. Sabemos que foi por aquela Carmen das baianas histéricas, da musa de latinidades destemperadas, que o mundo se apaixonou – e nós também a amamos assim, apesar de tudo – mas é preciso atentar de modo mais amplo para essa figura, que é tão complexa que sugere inúmeras discussões.
Enfim, aqui vai uma pequena amostra de um registro pouco conhecido da Pequena Notável, a grande Carmen Miranda:


"Eu queria ser ioiô" (Lamartine Babo / João de Barro [Braguinha]). Victor, 1933.

Eterna morena do mar - Clara Nunes



Por Lucas Dias


Clara Nunes (1842-1983), voz limpa e firme, considerada por muitos a sucessora da Divina Elizeth Cardoso. Sambista, cantou desde os melosos samba-canções até os clássicos sambas de terreiro, como Morena de Angola e O mar serenou. 


Discografia: 
1966 - A Voz Adorável de Clara Nunes (Odeon) 4.127 cópias vendidas
1968 - Você Passa e Eu Acho Graça (Odeon) 7.542 cópias vendidas
1969 - A Beleza Que Canta (Odeon) 5.856 cópias vendidas
1971 - Clara Nunes (Odeon) 158.710 cópias vendidas
1972 - Clara Clarice Clara (Odeon) 164.542 cópias vendidas
1973 - Clara Nunes (Odeon) 250.120 cópias vendidas
1974 - Brasileiro Profissão Esperança (Odeon) 219.010 cópias vendidas
1974 - Alvorecer (Odeon) 784.028 cópias vendidas
1975 - Claridade (Odeon) 1.125.410 cópias vendidas
1976 - Canto das Três Raças (EMI-Odeon) 1.285.058 cópias vendidas
1977 - As Forças da Natureza (EMI-Odeon) 809.047 cópias vendidas
1978 - Guerreira (EMI-Odeon) 1.011.005 cópias vendidas
1979 - Esperança (EMI-Odeon) 900.485 cópias vendidas
1980 - Brasil Mestiço (EMI-Odeon) 2.002.450 cópias vendidas
1981 - Clara (EMI-Odeon) 811.587 cópias vendidas
1982 - Nação (EMI-Odeon) 1.254.998 cópias vendidas

Em 7 de fevereiro, Clara foi chamada por Chico Buarque para participar do Canta Brasil, um show com aquelas características dos espetáculos do 1o. de Maio, de cunho político, cujo objetivo era, mais uma vez, arrecadar fundos para sindicatos ou campanhas políticas, como o Diretas Já que Clara, juntamente com : Chico Buarque, João Bosco, Cristiane Torloni e outros participou. O 'Canta Brasil era uma continuidade dos shows de 1o. de Maio. A TV Globo, para não se comprometer, transmitiu a apresentação que reunia Chico, Simone, Clara, Milton e mais um time de bambas da música brasileira como sendo um especial em memória de Elis Regina, que acabara de morrer. Argumento tolo, inventado pela emissora, para não explicar o real motivo do espetáculo: uma frente de resistência da classe artística à situação político-partidária do Brasil.
Por causa de uma forte chuva que caíra no dia 5, data em que o show seria realizado, um adiamento para o dia seguinte foi solicitado pela TV Globo. Todos toparam. Clara encerrou o show, aberto por Paulinho da Viola.







Gal Costa e Maysa - Deuses no palco





Em 1975, o programa Fantástico da Rede Globo, realizou um inédito encontro entre duas emblemáticas cantoras da MPB: Maysa e Gal Costa. O Fantástico naquela época – sob direção de Augusto César Vanucci – era suavemente diferente da atração que vemos hoje na TV aos domingos. A atração dominical criada em 1973, tinha uma verve musical imensa e muito explorada, naquela época o Fantástico apresentava até 3 clipes musicais por programa, além dos memoráveis quadros humorísticos, como o de Chico Anysio. As maiores estrelas da MPB soltaram suas vozes no Fantástico, e Maysa também era presença constante.

No clipe se fazia um “troca-troca”, Maysa cantava Gal, e Gal cantava Maysa. Gal começa cantando “Resposta”, (de autoria de Maysa), um dos maiores clássicos da cantora carioca. Maysa fica nitidamente feliz – e encabulada – com a interpretação da amiga para aquela música composta mais de 10 anos antes, e desanda a dar sorrisos como uma criança que experimenta o novo. Em seguida, Maysa interpreta um grande sucesso de Gal – “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. Ela fica visivelmente emocionada ao interpretar aqueles versos de um amor tão dolorido – “Meu coração de criança, não se cansa de um dia ser tudo o que quer / meu coração é só a lembrança de um luto qualquer de mulher / que passou por meus sonhos sem dizer adeus e fez dos olhos meus um chorar mais sem fim.”Nasce em seu rosto a expressão da angústia e da tristeza que marcaram sua alma, porém, os olhos verdes brilhavam incessantemente, belíssimo.

Samba sim - Samba sempre!

Dentre todas as versões que contam as histórias do nascimento do Samba no Brasil, existe uma unanimidade: Hilária Batista de Almeida, com seus três apelidos: Tia Ciata, Tia Asseata ou ainda Tia Assiata. Nascida livre em 23 de abril de 1854, em Salvador,  foi juntamente com outras tias baiana a principal responsável pela desenvolvimento e consolidação do samba no Brasil. Foi no quintal da sua casa a fonte de inspiração do primeiro samba gravado no Brasil, em 1916  - "Pelo Telefone  de Donga e  Mauro de Almeida.


Baiana de Salvador. Cozinheira. Mãe de santo. Partideira e animadora cultural. Chegou ao Rio de Janeiro em 1876, aos 22 anos, indo residir inicialmente na Rua General Câmara mudou-se para a Rua da Alfândega e depois para Rua Visconde de Itaúna (próxima à Praça Onze), à época local conhecido como Pequena África, por conta da forte presença de negros baianos no local. Por ser uma mulher dinâmica e empreendedora, Ciata logo se destacou entre as baianas introdutoras do Samba no Rio de Janeiro, enquanto tirava seu sustento da cozinha típica baiana, vendendo quitutes em seu tabuleiro, dali passou a promover sessões de samba em sua casa.


Sempre vestida de baiana e estampando a sua autoridade, seu bom humor e sua solidariedade, ficava cada vez mais conhecida, mantendo relações com pessoas de toda a cidade, chegando ao ponto de ter vários soldados do Coronel Costa garantindo suas festas. Nesse período, os brancos das elites não eram vistos como inimigos e nem claramente responsabilizados pela escravatura. O negro se opunha ao branco pela diversidade cultural. Os baianos, a exemplo do que se faz até hoje em Salvador, saíam no Carnaval em blocos, cordões e rodas de batucadas. Como naquela época não havia rádio, compositores lançavam sua músicas nas festas de Largo.


Da esquerda para a direita:  Nana Caymmi, Elizeth Cardoso, Clara Nunes, Clementina de Jesus e Chacrinha .



Fonte: http://www.clubedosamba.com.br/index.asp (modificado)






Mulata faceira - Elizeth Cardoso e João Nogueira

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Elis Regina: Retrato do Desconhecido




E a sua voz era tímida, 
Voz de um homem perdido no mundo, 
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças, 
Voz que não manda nunca, 
Voz que não pergunta, 
Voz que não chama, 
Voz de obediência e de resposta, 
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas, 
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas. 

Os ombros eram estreitos, 
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do amor inconfundível, 
Ombros de quem não sabe caminhar, 
Ombros de quem não desdenha nem luta, 
Ombros de pobre, de quem se esconde, 
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta.
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos, 
De quem teme a estrada e o destino 
De quem não triunfará na luta inútil do mundo: 
Ombros de reza de condenado,
Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros 
num mesmo ritmo. 

No entanto os olhos eram olhos diferentes. 
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão 
para traduzir o seu olhar. 
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,
que se abriram diante de mim, como um abrigo, 
e que me trouxeram de repente, 
os dias mortos em que me descobri como outrora,
livre como no princípio do mundo.

Não direi de seu olhar, não direi da sua expressão de repouso, ainda não sei se era dele o seu olhar, 
ou se nascia de mim mesmo, 
num rápido instante de paz e de libertação!



Retrato do desconhecido - Augusto F. Schimdt

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Agora, a feijoada mesmo, fomos nós que fizemos..."

Por Lucas Dias




Até Elis Regina (1945-1982), já previa a aparição do cavaleiro do "aposcalipse"  na nossa música. Nos anos 80, a influência estrangeira estava massacrando os "novos talentos" da MPB; roupas galácticas, modinhas infantis e o barulho, tomou o lugar da canção e da letra. Talvez a população tenha se acomodado, com o regime militarista, que no início, motivou vários cantores e interpretes a gravar valiosos discos. Infelizmente, vemos em todos os meios, "pasteis" de diferentes gostos, tamanhos e cores. Iai Elis, que me diz?

 

MPB que nunca morre...

Por Lucas Dias


Cantora Marlene - O Cruzeiro 1951
Das cordas do violão de Noel Rosa aos clamores de justiça de Cazuza. A música popular Brasileira, termo originado nos FIC's (Festival Internacional da Canção), passou por drásticas mudanças, do seu início a atualidade. No passado as vozes das cantoras da rádio,Carmem Miranda,Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira e Ângela Maria, embalavam sonhos apaixonados, famílias que ficavam ansiosas na frente de um velho rádio, para ouvir as marchinhas de carnaval ou as depressivas músicas de Dolores Duran e Maysa.
A música acompanhou fatos históricos e nunca parou no tempo; nos anos 60, com o golpe de 1964, os jovens sonhadores do tropicalismo e outros movimentos, nos inúmeros festivais, declamaram de voz aberta suas opiniões e argumentos ...dando pé ao sofrimento e chorando na canção.




No finalzinho dos anos 60, a influência americana começou a dar presença, nos shows e álbuns de inúmeros cantores, e alguns, a qual Elis Regina chamava de traíras, abandonaram ou mudaram radicalmente seu estilo musical. Como é percebido por todos, na calmaria, até a voz dos deuses se acalmam. Para alguns, os anos 70 foi um período de estagnação, pois muitos se recusavam a gravar ( Ex: Maysa, Marlene e Ângela Maria), outros desistiram da carreira, pois a influência de fora era demasiada a ponto do números de shows e vendas de discos cair muito. Desta forma foi criada por Elis Regina a ASSIM (Associação de Músicos e Interpretes), que regulamentava a classe no Brasil e garantia seus direitos. 




Quando tudo parecia estar perdido, quando muitos pensaram que tudo havia acabado após a morte de grandes nomes da música, surgia nas capitais, grandes talentos que enalteceram multidões, como Cazuza e Renato Russo, e até o velho moinho do Cartola ressuscitou, e vivificou nossa música, Esta ainda sobrevive, mas às custas de aparelhos, internada e quase em coma. muitas vezes esquecida, abandonada e lembrada apenas quando o pai ou o avô, colocam o disco do Roberto Carlos na "vitrola", para relembrar as lagrimas e sorrisos de um passado glorioso.
Cazuza - 1984